domingo, 11 de dezembro de 2011

Coral,

Sou feita de conchas. Nem ossos, nem vasos, neurônios ou fibras. Sou concha. Sou cor de madrugada, degradês do mesmo tom. Tenho uns cílios minúsculos, como se houvesse me esquecido de tê-los e, dentro de mim, ecoa mar. Você é concha também. Se não concha, talvez coral. Suas unhas não descamam como as minhas e nem têm cheiro de cravo. Você deve ser coral. Suas orelhas são quentes, cromadas e seu sorriso são infinitas luzes de Natal enfileiradas. Você é coral.
Sinto seus olhos me ultrapassando, perfurando meu crânio, repousando no cacho de bananas em cima da mesa. Ouço você esperando o tempo passar, esperando que ele decida o que será de mim, de você e de todos os caramujos que habitam em nós. Até lá, nos cabe decretar se vale a pena desembaraçar o cabelo, as aftas, os relacionamentos... Eu te desembaraçaria até o fim dos tempos.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Venho me sentindo só. Tão só que o grito sai pra dentro. Só de escorrer por detrás de portas, de descascar papel de parede e ter calos nas pálpebras. De amontoar talheres no escoador tão próximos um ao outro que quem os vê pensa que estão de mãos dadas. Venho me sentindo num domingo infinito, o coração sufocado por uma sacola plástica, ao invés de batimentos, ruído de lava louças, mãos e pés atados, coaguladíssima por dentro, olhos empedrados. Não é tristeza, é desesperança. Desesperança, cabelo embaraçado e olhar cético de quem já desistiu há muito de esperar mudança. Se ao menos meu microondas esquentasse a comida e não só o prato, se minha tireóide funcionasse corretamente e eu soubesse que esforço algum jamais será em vão, talvez eu me conformasse. Mas eu não me conformo. Se as pílulas do dia seguinte deixassem meu endométrio em paz, se eu arranjasse uma forma de finalmente sair dessa cidade, se arranjasse uma religião, uma vocação, enfim... (...)