Desmancho/ Cansada/ No
breu/ Ternura/ Não quero, não vou/ Amargura/ Me deixa/ Não sou
dessas/ Não confio nem por um segundo em você/ Suas intenções de
palhaço, de dono da rua/ Traficante, bandido/ Estapafúrdio, boca
seca/ Dor de amor é a pior de todas/ Caem as unhas, os cabelos/ A
gente envelhece dez anos em dois dias/ E fica pobre, fica bêbado,
fica grávido/ Fica só/ Corta os laços que têm/ Não/ Não/ Fico
melhor assim/ Eu e a televisão/ Minha cama/ As portas batendo/ Larga
de mão/ Morre/ Mas me mata também que é pra eu não precisar ficar
sem você/ Joga cal na parada de ônibus/ Derruba ela/ Põe abaixo/
Queima os cigarros todos/ Não entendo seu jeito/ A carga psíquica
que vem de brinde/ O olho gordo/ Você não sai da minha cabeça/
Puxou uma cadeira e por lá ficou/ Não te arranco os sentimentos nem
com três dedos de vódica/ Caio de joelhos/ Me ouve, me escuta/ Me
deixa/ Me deixa ficar/ Porque eu não te tiro de mim/ Mas entende que
eu não quis/ Entende que você me roubou/ Entende que eu te odeio/ Você não é homem pra mim/
Com esses braços fortes/ A consciência limpa/ Sardas na orelha/
Paciência, estratégia, improviso, cama de casal/ Como se você
fosse morfina/ Como se fosse remédio/ Solução/ Fantasma/ Revolver/
Gozo/ Caneta e papel: meu bem.
segunda-feira, 19 de novembro de 2012
domingo, 18 de novembro de 2012
Faz tempo desde que
pensei em outra coisa qualquer. Tentarei ser breve, sem rodeios: vim
só me queixar dos seus excessos, que já foram mais pretensiosos. Eu
ando desconfiada das suas intenções amenas. Pra ser bem honesta,
você já gostou mais de mim. Não me aflige de nada, até que você
abre um sorriso. É a minha deixa intrínseca para morrer de espasmos
no diafragma. Um dia desses ainda arranco esses dentes um-por-um e
escondo-os fora da vista. Alguém virá para vingar esses corações
cansados. O Padroeiro da Reciprocidade intervirá. Esperemos
pacientemente. Até lá meus olhos ficam enrolados como fita crepe na
sua volta. Por enquanto, prenderei entre os dentes o rabo das
palavras que montei. Estou aliada ao mau olhado, ao silêncio, às
pernas alheias, ao orgulho, à falta de comunicação, à sobriedade,
às curvas bruscas de carro e à infinita carência que é meu fardo.
quarta-feira, 24 de outubro de 2012
Do sexo,
Na verdade, da condução
entre cômodos, da respiração alta, dos pés contraídos, do seu
gosto de fumaça, das roupas que são carpete pro seu quarto, da
pausa, do arrepio, do seu arranho que sobe pelas minhas costas, laça
meu cabelo e me deita no colchão, da perduração, dos seus olhos,
da minha cabeça inclinada pra trás, do encaixe, do aperto, do seu
peso em cima de mim, da ritmação, da arritmia, das mordidas, do
suspiro, da moléstia do calor, da sua língua que escorre em mim e
do seu beijo, da sua testa franzida, dos seus dedos me perfurando, do
bloco de fagulhas, dos gritos que vêm do lado de fora da janela, dos
gritos que vêm do lado de dentro, do arqueamento, do sorriso que
corta o silêncio, da repetidagem, das mãos entrelaçadas que se
apertam e soltam e seguram e amarrotam, da cascata de cabelos, dos
joelhos vermelhos, das onomatopéias, do oxigênio dividido, das
testas coladas, do arroubo, do balão estourado, da maré alta, da
reviragem, da avessagem, do ar frio que entra, condensa, do gemido
que sai, do suor entre nossos corpos, da nossa dependuragem pela
janela, dos andaimes, do seu cigarro e do seu outro cigarro, dos
nossos olhos descansados um no outro, do seu beijo no meu nariz, do
seu beijo na minha testa e do recomeço.
segunda-feira, 15 de outubro de 2012
Me ocorreu, mas de
tanto imaginar, fiquei endurecida, incapaz, vegetativa, imóvel, um
poço de transpiração, o coração ricocheteando pra fora,
inspirando mais ar do que precisava... Era impraticável, como seria
feito? Me percorreu um alívio: era impossível, não adiava tentar.
E nesse impulso da desistência, eu me fui contradição. Parei o
carro e soltei o cinto. Latejei pelas artérias todas, minha boca na
sua, estática, a respiração presa, o silêncio... O silêncio
infinito que nós somos. Você arrancou as borboletas de mim, me
despaginou toda, de dentro pra fora, de lá pra cá. Eu era um vazio,
uma fome... Evitando encontrar seus olhos, seu gosto de fumo e seu
coração imprevisível, mas carona após carona, sua insistência e meu querer, o álcool também, seu aperto, o colchão suado e sua
cara de vilão: foi inevitável. Não sei de onde você tirou que
podia me olhar daquele jeito por baixo dessas sobrancelhas, que podia
me roubar, me levar contigo, passar os dedos no meu cabelo, me
mastigar, ser cativo, hilário, maravilhoso, que tinha qualquer
direito de me pagar um jantar, me cheirar, me fazer esperar, me dar câncer de pulmão, cirrose, pílulas do dia seguinte, e sua
inconsequência, seu carinho, seu sono pesado, seu canto soprado... Eu não posso nem mesmo te odiar, porque você pisa no prego,
derrapa no chão e deixa metade do pé na quina da mesa, joga álcool
noventa e cinco por cima e me olha com essa bravura toda. Me desafia
a não te querer bem. Oportunista. Agora toma, pega o diabo do meu
coração e faça bom uso.
domingo, 14 de outubro de 2012
Da imperdoabilidade, da solidão, da insuficiência, das burocracias da felicidade, etc.
Não sei pra quê tanto
azedo dentro de mim. Não sei pra quê o exagero do redemoinho de
papeis no banco de trás, das lágrimas presas, do masoquismo e das
músicas que entram feito punhal na minha alma. Como foi que você
conseguiu me atrair pra armadilha? Encascalhada, cercada de
intenções, presa e só. É essa a razão toda: eu perdi. A pior
parte é que fui alertada. E pior que isso é que fui de bom grado,
coração voluntário que nem estava disponível. Qualquer
resistividade foi espontânea, me servia só pra atiçar sua vontade.
E como se você soubesse, como se já estivesse esperando, cheio de
experiência, me conduziu. Me deixou ali, em brasas, palpitante,
encantada, mentirosa, dizendo que não era nada, besteira, já já
passava, coisa pouca, só atração, colisão de quereres, estava
tudo sob controle, era cautelosa, tateava bem, dava um passo e
voltava dois, voltava quatro, voltava mil. Me pareceu mais que
mergulhei de cabeça, abri o crânio no fundo e por lá fiquei.
Burra, burra, burra. Louca! Fui como quem tem o coração de aço, a
consciência limpa e toda vontade do mundo de descobrir como é levar
uma martelada no peito. Fui e aqui estou, arrependida, amarga,
morrendo de medo. Agoniada, ensurdecida pelos conselhos que eu não
obedeço, completamente derretida. Mas não é nada pessoal.
sexta-feira, 5 de outubro de 2012
Eu desci as escadas com uma urgência muito grande, pulando os degraus, laçando a chave do carro de dentro da bolsa, que no próximo passo eu estivesse deitada na minha cama, que o dia tivesse fim, virasse ilusão, raio de Sol, que a culpa morresse, para eu nunca mais ser tristeza, enfim. Lá de baixo você era um par de joelhos irreconhecível, era paisagem, que se dane. Mas assim que se pôs de pé e ergueu os olhos, a surpresa, o alívio que eu fui... A tonelada, as últimas doze horas, o embolotamento, tudo que não me dizia mais respeito. A sua precisão. Te afoguei num abraço, numa lista de adjetivos, na respiração presa na minha gratidão. Não era desmedido, excesso. Era exato. Nem tinha nome mais, era o que eu precisava: a sua precisão. Desconstruí o devaneio. Desci as escadas, parei na sua frente. Desajeitamento. Não era isso. Eu perdi o tempo do abraço. Como é que você ia saber agora? Como diabos ia saber que eu te queria ali mesmo, que você nem era mais distração, que me esfoliou a angústia? Como eu exorcizo o orgulho pra fora, te entrego as armas, as chaves de mim?
Outubro,
É o diabo do receio,
de saber que cedo ou tarde, que vai ser de repente, inevitável, dos
efeitos da sua librianidade (tua inconstância e tua cansadez). Os
dois hemisférios me munindo de antônimos (fica, volta, desliga o
carro, aparece, cuidado, dá um agrado, se apressa, um cafuné, larga
dele, um samba, liga pra Fulano, morre de vergonha, fica só, tira o
vestido, nem sobe, cede). Não te quero por perto pra não te querer
mais perto. E nem foi por querer que eu te quis. Mas que de um
levantar de sobrancelhas teu, me vem o arroubo... A taquicardia, o
descompasso, a esquizofrenia. Não é caso de cardiologista ou Dona
Daiane. É caso sem solução. É infalível: seus olhos caídos e o
encaixe na minha nuca, meu desajeitamento e teu cuidado. É
infundado: toda resistência, o desperdício, a inexperiência, a
culpa. É espontâneo. Que seu pouco caso seja só charme. Que sua
irresistibilidade seja só macumba. Que seu efeito aqui não seja
real. Se for...
terça-feira, 2 de outubro de 2012
segunda-feira, 1 de outubro de 2012
Vamos embora para
Bogotá: usar camisinha, deixar o cabelo crescer, que o vestido
leve-leve se vá, que vire comida de peixe, para que a gente deite no
asfalto do estacionamento, desperdice cervejas, e o lamento das
cigarras vire só música, você tire os sapatos para entrar no meu
coração, e dedilhe os dedos, e pese a cabeça, dê nomes comuns
pros seus filhos, e me ensine a cantar, me ensine a dançar, desloque
o joelho, encha a banheira, ilumine com esses olhos, de braços dados
com outra mulher, esperando a hora chegar, ilumine a rua, e de vez em
quando diga pra mim que não sabe como eu consigo, que se fosse você
o carro já teria capotado, e nós dois, desentendidos, chegamos na
Colombia, e eu prefiro mesmo que você fume, ganhe o sustento de
poesia, tenha a família mais linda do mundo, porque eu sou
espectadora, tenho vocação pra estágio, pra data de validade,
apegação, pra ser sua, deitar no seu colo, exagerar, e repetir, sou
saudosista, ingrata, deficiente em vitamina D, não sou flor, nem
tomo Sol, sou zelo, e sabe-se Deus de onde você conhece o cheiro do
meu xampu, e pra quê tanta melancolia, tanta pressa, que se exploda,
vou ter um ataque cardíaco, feche a porta atrás de mim, leia tudo
isso de um fôlego só: é assim que eu me sinto.
É recíproco. Sempre
foi recíproco. É confuso também. É silêncio, está quebrado, é
monótono. Só existe quando gente combina as solidões. Eu arrasto
os pneus no meio fio e já existe. Tento
me explicar, acordo na sua cama, tonta, sequelada e existe.
Existe quando você quer que eu vá embora. Principalmente quando eu
estou sozinha, existe. Vamos acertar as contas d'uma vez, que eu não
sei mais o que em você é licença poética.
segunda-feira, 24 de setembro de 2012
Fortuito,
Palpito. Ajoelhada por
cima de você, carimbada pelo corpo todo, eu palpito. Palpito deitada
ao seu lado, sem calcinha, com os olhos nublados de sono, às sete da
manhã. Palpito de pés descalços, te arrastando pelo corredor,
bebendo água, enrolada no cobertor, escorrendo do sofá para o chão,
arrancando a toalha da sua cintura, voltando pra casa com um cachecol
feito de cabelos. Quando sinto o cheiro de praia que você tem atrás
da orelha, me entrelaço nos seus dedos, te ouço cantar, você põe
mão na minha coxa, puxa o meu cabelo, planta uma bananeira, fuma na
janela, completamente perdido, seu quarto bagunçado, uma coleção
de copos sujos na prateleira, te mordo mais do que beijo, sinto um
sopro no peito, um receio, intuição. Sorrio em forma de desafio,
protesto, para calar o medo, para calar o mundo.
domingo, 16 de setembro de 2012
Barco de papel,
Sinto um de repente.
É calmaria, mas é
também afluxo, torrente.
É onda espumada,
opaca, salgada, daquelas que puxam pro fundo e te dão somente o tempo
necessário de subir à superfície e resgatar oxigênio para que
você continue vivo. Isso porque em intervalos de cambalhotas, olhos
arregalados e joelhos arranhados a vida fica em suspensão, esperando
para ver se ocorre ou não. É bonança pura. Basta que você encoste
os lábios em mim. A onda nasce no fundo do meu estômago, me puxa
pra dentro e me afoga. Basta a mistura de suor, seus dedos abrindo
caminho, nós nadando contra a corrente, a chuva de cinzas. Basta
ainda que você me segure no colo, morda meu pescoço, a onda quebre
contra a parede, despenquem os armários, eu caia na sua cama, o
bater de talheres que entra pela janela vire calor, vire sorriso,
vire grito.
Antes que eu morra
afogada, antes que eu esqueça meus sapatos, antes que sua respiração
asmática se acalme, antes que você ligue o ventilador, antes que
habite minha mente...
terça-feira, 11 de setembro de 2012
Do tanto que eu gosto de você/ Conselhos que eu bolei às cinco e quinze da manhã,
Meu
pescoço continua manchado mesmo que eu esfregue pentes finos,
maquiagem, água fria, água quente... Estamos um ao lado do outro,
os dois salpicados de roxo. Estou pendurada em você, estou na
beirada da sua cama e estou descalça. Seu gosto salgado, os lençóis
encharcados, o colchão nu, as luzes acesas, meus olhos fechados,
descascando seu ílio, dobrando os joelhos, respirando mecanicamente
(como se faz? Inspira, expira, inspira, estoura, insânia, escape,
instável, exala, inspira, expira). Encosto a cabeça na janela
esperando que você esteja me olhando, porque uma das coisas que eu
mais gosto no mundo é quando você olha pra mim. Vou embora
esperando que você me dê um beijo a mais do beijo a mais que você
me deu. Entro no elevador, coloco o cabelo por cima dos ombros, deito
na minha cama, respiro, inspiro, fecho os olhos, tento me recompor,
tento me proteger, tento parar de competir com você, tento ler
incentivos no seu descaso. Mas você é silêncio. Eu sou também.
Corra, então, salve-se! Eu não sou bom partido, não sou
equilibrada, não vou te fazer feliz. Eu sou louca varrida, tinha que
estar internada, tinha que estar amarrada, tinha que ser exilada.
Sozinha, quando meu coração me pertence, eu sou normal, sou forte e coerente. Agora, quando você me apareceu, quando encontrou
a brecha, quando me roubou... Aliás, não se chama de coração
roubado o que foi entregue em uma bandeja ainda pulsando. É por isso
que eu imploro: corra!
segunda-feira, 10 de setembro de 2012
Gustavo,
Já perdi a conta de
quantas vezes calhei de perder a carona propositalmente esperando que
você me acompanhasse até a parada. Eu esperava ainda que talvez
você me levasse em casa, deitasse ao meu lado na cama, puxasse o
edredom por cima das nossas cabeças e decidisse casar comigo ali
mesmo. De mãos abanando, eu acabava descendo a setecentos sozinha,
ziguezagueava as casas tropeçando nas raízes e nos meus soluços.
Sentava no banco do ônibus e descascava a película da janela. Nem
bem eu fechava a porta de casa atrás de mim e eu já tinha te
perdoado.
Eu jamais, nunca, de
maneira alguma te pediria para que fosse comigo. Para mim era
evidente: você tinha toda a obrigação do mundo de saber. Eu
cometeria (como cometi) suicídio quantas vezes fossem necessárias
para chamar a sua atenção. Eu era (como sou) vertigem de
sentimentos. Você nunca vai saber (como não sabe) das minhas
intenções ou do que eu exijo de você. Nem você e nem ninguém.
sexta-feira, 31 de agosto de 2012
Every Single Night - Fiona Apple,
O cinto de segurança
estala. O seu. O meu ainda me segura contra o banco. Minha perna
esticada e o pé no freio, porque eu não tenho intenção alguma de
me demorar. Não por cansaço, medo de sequestro, nem por querer te
confundir. É a gasolina que anda cara e me dá um tropeço na
respiração ter que ligar e desligar o carro toda vez. Mentira. É o
seu olhar intraduzível, seu pouco caso, seus cílios imensos e esse
sorriso de ai-meu-Deus. Mentira. Eu até te seguro pelo braço, rasgo
sua barriga com as unhas, tranco as portas, espalho gasolina em volta
do carro e acendo um fósforo, mas assim que eu abro os olhos, a
porta bate. Um pouco de você permanece: cinzas no meu cabelo, gosto
de fuligem e um cheiro que não me pertence nas costas da minha mão.
É aqui até onde me atrevo.
terça-feira, 28 de agosto de 2012
Me parece que o coração
confunde força com insensibilidade. Sentimento algum passa do átrio
para o ventrículo. Se me permite, vão todos eles direto ao pulmão,
derramam-se nos lençóis brancos, condensam. Sentimento condensado,
para mim, é carência. Se quer saber, acho que convém franqueza:
meu coração é halterofilista. Dito isso, não sou desapegada, sou
distraída. Sou errante e não pretendo remediar isso.
Cometo o mesmo erro constantemente com todo o receio de ser julgada.
Me erro pros lados de gente que não vai viver por muito tempo, que
não vê conforto em formalidades, contrato, rótulo, acordo, ciúmes,
que conforme o tempo passa me quer menos enquanto eu quero mais,
gente que fala pouco, pensa pouco, deixa tudo subentendido, manda
minhas inseguranças às favas, porque para essas gentes, o que
importa mesmo é garantir a dose diária de libélulas na boca do
estômago.
domingo, 8 de julho de 2012
Resposta:
Talvez eu não a entenda, mas da mesma forma talvez (talvez) você nunca descubra como é ler nos lábios dela um suspiro afogado. Talvez ela não evite seus olhos e é possível que tivesse parado de roer as unhas porque podia segurar a sua mão. Ela subia nos seus ombros, te buscava no trabalho, desfilava com você. O sentimento invasivo, inconveniente, inevitável, inominável... Isso você não terá. Você não fará dela silêncio, fumante passiva, amante. Porque ela era sua (e talvez ainda seja). A mim cabe ser discrição e desapego, coisa que você nunca será. Não te invejo e vise-versa, afinal de contas, entre barcos de papel e pés de feijão, cutículas ensanguentadas ou não, ela é só.
quinta-feira, 5 de julho de 2012
Suponha que paleontólogos encontrem minhas pegadas soterradas por quilômetros de sedimentos. Suponha ainda que encontrem rastros de todas as chaves que eu deixei cair no chão, encontrem duas ou três marcas de salto alto, determinem minha altura e meu grau de lordose. Suposto isso, eles conseguiriam me catalogar? Saberiam do tanto que meu coração foi partido, dividido, reconstituído, do tanto que ele empedrou e se liquefez? Saberiam dos celulares que eu perdi e dos lábios que mordi? E o cheiro de cigarro no meu carro*, o gás butano, o banho de espuma, as batatas fritas, o norueguês desfiando meu cobertor, os suicídios, o sexo no elevador, as mensagens de texto, minhas namoradas, meus chifres, meus joelhos ralados, a arritmia cardíaca, a conta bancária e o rancor? E os damascos, os desabafos, meus decotes, seu violão, os erros gramaticais que eu corrigi das suas cartas e depois te devolvi, as fotos três por quatro e minhas unhas roídas? Se não souberem, que fique registrado aqui o campo semântico da minha vida.
quinta-feira, 21 de junho de 2012
Helena,
Agora me diga quem vai saber tão bem de você. Qualquer um pode serpentear a serpentina que laça seu coração e mergulha suas angústias no suco de cajú, mas ninguém te conhece tanto quanto eu. Ninguém vai ouvir os gemidos que eu ouvi, nem comer sua comida insossa, ninguém vai adivinhar que você tem uma agonia imensa de carinho na perna, que fuma escondida e flerta com meus amigos. Ninguém nunca vai saber, como eu sei, que seu medo de avião só não é maior do que seu medo de ficar aqui pra sempre, que você passa batom quando está sozinha em casa e pensa em espanhol sem ao menos saber conjugar um verbo. Eu sei dos seus orgasmos fingidos, sei do tanto que você odeia números pares, sei dos seus caprichos, sei que você esfrega a unha nos lábios quando está tomando alguma decisão. Mantenho a conta de todos os livros que você optou por não terminar de ler porque odeia despedidas, perdas, porque tem medo de se decepcionar. Você tem um encanto que mais parece bruxaria. Você é pura sinestesia. Você é insensível. Me diga então quem vai te entender.
quarta-feira, 13 de junho de 2012
Uma Carta Aberta:
Quando estamos separados eu esqueço porque não podemos ficar juntos. Me dói mais que tudo te deixar infeliz. Vai contra a sua natureza, você é uma enorme lua minguante - sorrindo, deitada ao meu lado. Mas não poderia ser diferente. Eu me sinto suja, cruel, solitária. Se você ficasse bem eu ficaria também. Eu seria só saudades, só carinho, sem tristeza.
Eu quero me casar com você. Não agora, mas eu quero. Não te peço que me espere, essa esperança pairando no ar é intoxicante. Eu quero solidão. Quero me encontrar no meio de tantas Helenas que eu quero ser. Preciso de um tempo de nós. Não estávamos bem. Por mais que agora a memória remeta aos momentos maravilhosos, nós estávamos apagados. Como eu te disse: parecíamos aqueles episódios de seriados em que não há história, só recordação de temporadas anteriores. Aquilo me fazia mal e eu comecei a te afastar. O amor escapulindo por entre meus dedos. Antes que fosse tarde eu agi. Agi porque não suporto a ideia de deixar de te amar. O que eu sinto em detrimento da (nossa) felicidade. Um sacrifício pelo qual eu nos obrigo a passar porque estou fraca. Estou com a cabeça cheia de pensamentos que não são palavras, ideias, não têm forma, só são. Me desgasta tentar entendê-los, tentar lidar com eles, não fazer nada além de sentir. Eu sinto que te amo profundamente, mas não nos pertenço mais. Eu sei que você entende mas não concorda. Eu sei que você precisa de qualquer coisa que faça a dor passar e, Deus sabe, se eu pudesse arrancá-la daí e segurá-la comigo até... Até...
sábado, 9 de junho de 2012
Eu não sei mais. Pra provar isso, abro meu peito com um bisturi, aqui está, ao invés de coração, um imenso ponto de interrogação. Retirem imediatamente as expectativas sobre mim, se eu arranjar alguma forma conotativa de falar sobre a minha dor, corro o risco de entendê-la e, honestamente, talvez eu prefira não saber. Talvez eu prefira essa transa sado masoquista comigo mesma, me punir pelo que eu sinto e pelo que eu deixo de sentir. Talvez formem-se calos que engrossem minha pele e aí, talvez, eu pare de me importar. De tanto pensar e de tanto deixar de pensar, de tanto fugir e chorar e chorar e chorar, num ímpeto peguei meu livre arbítrio e joguei-o pela janela, abri o gás e tranquei a porta, dei lhe uma overdose de vitamina C. Até que eu me decida, minha respiração fica eternamente presa. Até que eu me decida, o tempo fica estático, o sangue que devia ser bombeado pelo maldito coração não flui, todas as minhas células em greve de fome, um luto precoce.
terça-feira, 6 de março de 2012
Amor,
Perdi todas as minhas metáforas. Agora sou só espera. Sou um coração pequeno, nanico, anêmico. Sou o inverso de borboletas no estômago: sou ácido clorídrico. Sou desesperança, desordem, desolação, desânimo, desoxigenação. Sou insuficiente. Sou cólica. Cólica infinita. Cólica injusta. Cólica humilhante. Sou eutanasia, ou gostaria de ser. Sou grata, no entanto.
Fui tão feliz quanto me foi possível. Nunca havia sido tanto.
Fui tão feliz quanto me foi possível. Nunca havia sido tanto.
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