segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Meu bem,

Desmancho/ Cansada/ No breu/ Ternura/ Não quero, não vou/ Amargura/ Me deixa/ Não sou dessas/ Não confio nem por um segundo em você/ Suas intenções de palhaço, de dono da rua/ Traficante, bandido/ Estapafúrdio, boca seca/ Dor de amor é a pior de todas/ Caem as unhas, os cabelos/ A gente envelhece dez anos em dois dias/ E fica pobre, fica bêbado, fica grávido/ Fica só/ Corta os laços que têm/ Não/ Não/ Fico melhor assim/ Eu e a televisão/ Minha cama/ As portas batendo/ Larga de mão/ Morre/ Mas me mata também que é pra eu não precisar ficar sem você/ Joga cal na parada de ônibus/ Derruba ela/ Põe abaixo/ Queima os cigarros todos/ Não entendo seu jeito/ A carga psíquica que vem de brinde/ O olho gordo/ Você não sai da minha cabeça/ Puxou uma cadeira e por lá ficou/ Não te arranco os sentimentos nem com três dedos de vódica/ Caio de joelhos/ Me ouve, me escuta/ Me deixa/ Me deixa ficar/ Porque eu não te tiro de mim/ Mas entende que eu não quis/ Entende que você me roubou/ Entende que eu te odeio/ Você não é homem pra mim/ Com esses braços fortes/ A consciência limpa/ Sardas na orelha/ Paciência, estratégia, improviso, cama de casal/ Como se você fosse morfina/ Como se fosse remédio/ Solução/ Fantasma/ Revolver/ Gozo/ Caneta e papel: meu bem.

domingo, 18 de novembro de 2012

Faz tempo desde que pensei em outra coisa qualquer. Tentarei ser breve, sem rodeios: vim só me queixar dos seus excessos, que já foram mais pretensiosos. Eu ando desconfiada das suas intenções amenas. Pra ser bem honesta, você já gostou mais de mim. Não me aflige de nada, até que você abre um sorriso. É a minha deixa intrínseca para morrer de espasmos no diafragma. Um dia desses ainda arranco esses dentes um-por-um e escondo-os fora da vista. Alguém virá para vingar esses corações cansados. O Padroeiro da Reciprocidade intervirá. Esperemos pacientemente. Até lá meus olhos ficam enrolados como fita crepe na sua volta. Por enquanto, prenderei entre os dentes o rabo das palavras que montei. Estou aliada ao mau olhado, ao silêncio, às pernas alheias, ao orgulho, à falta de comunicação, à sobriedade, às curvas bruscas de carro e à infinita carência que é meu fardo.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Do sexo,

Na verdade, da condução entre cômodos, da respiração alta, dos pés contraídos, do seu gosto de fumaça, das roupas que são carpete pro seu quarto, da pausa, do arrepio, do seu arranho que sobe pelas minhas costas, laça meu cabelo e me deita no colchão, da perduração, dos seus olhos, da minha cabeça inclinada pra trás, do encaixe, do aperto, do seu peso em cima de mim, da ritmação, da arritmia, das mordidas, do suspiro, da moléstia do calor, da sua língua que escorre em mim e do seu beijo, da sua testa franzida, dos seus dedos me perfurando, do bloco de fagulhas, dos gritos que vêm do lado de fora da janela, dos gritos que vêm do lado de dentro, do arqueamento, do sorriso que corta o silêncio, da repetidagem, das mãos entrelaçadas que se apertam e soltam e seguram e amarrotam, da cascata de cabelos, dos joelhos vermelhos, das onomatopéias, do oxigênio dividido, das testas coladas, do arroubo, do balão estourado, da maré alta, da reviragem, da avessagem, do ar frio que entra, condensa, do gemido que sai, do suor entre nossos corpos, da nossa dependuragem pela janela, dos andaimes, do seu cigarro e do seu outro cigarro, dos nossos olhos descansados um no outro, do seu beijo no meu nariz, do seu beijo na minha testa e do recomeço.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012


Me ocorreu, mas de tanto imaginar, fiquei endurecida, incapaz, vegetativa, imóvel, um poço de transpiração, o coração ricocheteando pra fora, inspirando mais ar do que precisava... Era impraticável, como seria feito? Me percorreu um alívio: era impossível, não adiava tentar. E nesse impulso da desistência, eu me fui contradição. Parei o carro e soltei o cinto. Latejei pelas artérias todas, minha boca na sua, estática, a respiração presa, o silêncio... O silêncio infinito que nós somos. Você arrancou as borboletas de mim, me despaginou toda, de dentro pra fora, de lá pra cá. Eu era um vazio, uma fome... Evitando encontrar seus olhos, seu gosto de fumo e seu coração imprevisível, mas carona após carona, sua insistência e meu querer, o álcool também, seu aperto, o colchão suado e sua cara de vilão: foi inevitável. Não sei de onde você tirou que podia me olhar daquele jeito por baixo dessas sobrancelhas, que podia me roubar, me levar contigo, passar os dedos no meu cabelo, me mastigar, ser cativo, hilário, maravilhoso, que tinha qualquer direito de me pagar um jantar, me cheirar, me fazer esperar, me dar câncer de pulmão, cirrose, pílulas do dia seguinte, e sua inconsequência, seu carinho, seu sono pesado, seu canto soprado... Eu não posso nem mesmo te odiar, porque você pisa no prego, derrapa no chão e deixa metade do pé na quina da mesa, joga álcool noventa e cinco por cima e me olha com essa bravura toda. Me desafia a não te querer bem. Oportunista. Agora toma, pega o diabo do meu coração e faça bom uso.

domingo, 14 de outubro de 2012

Da imperdoabilidade, da solidão, da insuficiência, das burocracias da felicidade, etc.

Não sei pra quê tanto azedo dentro de mim. Não sei pra quê o exagero do redemoinho de papeis no banco de trás, das lágrimas presas, do masoquismo e das músicas que entram feito punhal na minha alma. Como foi que você conseguiu me atrair pra armadilha? Encascalhada, cercada de intenções, presa e só. É essa a razão toda: eu perdi. A pior parte é que fui alertada. E pior que isso é que fui de bom grado, coração voluntário que nem estava disponível. Qualquer resistividade foi espontânea, me servia só pra atiçar sua vontade. E como se você soubesse, como se já estivesse esperando, cheio de experiência, me conduziu. Me deixou ali, em brasas, palpitante, encantada, mentirosa, dizendo que não era nada, besteira, já já passava, coisa pouca, só atração, colisão de quereres, estava tudo sob controle, era cautelosa, tateava bem, dava um passo e voltava dois, voltava quatro, voltava mil. Me pareceu mais que mergulhei de cabeça, abri o crânio no fundo e por lá fiquei. Burra, burra, burra. Louca! Fui como quem tem o coração de aço, a consciência limpa e toda vontade do mundo de descobrir como é levar uma martelada no peito. Fui e aqui estou, arrependida, amarga, morrendo de medo. Agoniada, ensurdecida pelos conselhos que eu não obedeço, completamente derretida. Mas não é nada pessoal.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Eu desci as escadas com uma urgência muito grande, pulando os degraus, laçando a chave do carro de dentro da bolsa, que no próximo passo eu estivesse deitada na minha cama, que o dia tivesse fim, virasse ilusão, raio de Sol, que a culpa morresse, para eu nunca mais ser tristeza, enfim. Lá de baixo você era um par de joelhos irreconhecível, era paisagem, que se dane. Mas assim que se pôs de pé e ergueu os olhos, a surpresa, o alívio que eu fui... A tonelada, as últimas doze horas, o embolotamento, tudo que não me dizia mais respeito. A sua precisão. Te afoguei num abraço, numa lista de adjetivos, na respiração presa na minha gratidão. Não era desmedido, excesso. Era exato. Nem tinha nome mais, era o que eu precisava: a sua precisão. Desconstruí o devaneio. Desci as escadas, parei na sua frente. Desajeitamento. Não era isso. Eu perdi o tempo do abraço. Como é que você ia saber agora? Como diabos ia saber que eu te queria ali mesmo, que você nem era mais distração, que me esfoliou a angústia? Como eu exorcizo o orgulho pra fora, te entrego as armas, as chaves de mim?

Outubro,


É o diabo do receio, de saber que cedo ou tarde, que vai ser de repente, inevitável, dos efeitos da sua librianidade (tua inconstância e tua cansadez). Os dois hemisférios me munindo de antônimos (fica, volta, desliga o carro, aparece, cuidado, dá um agrado, se apressa, um cafuné, larga dele, um samba, liga pra Fulano, morre de vergonha, fica só, tira o vestido, nem sobe, cede). Não te quero por perto pra não te querer mais perto. E nem foi por querer que eu te quis. Mas que de um levantar de sobrancelhas teu, me vem o arroubo... A taquicardia, o descompasso, a esquizofrenia. Não é caso de cardiologista ou Dona Daiane. É caso sem solução. É infalível: seus olhos caídos e o encaixe na minha nuca, meu desajeitamento e teu cuidado. É infundado: toda resistência, o desperdício, a inexperiência, a culpa. É espontâneo. Que seu pouco caso seja só charme. Que sua irresistibilidade seja só macumba. Que seu efeito aqui não seja real. Se for...  

segunda-feira, 1 de outubro de 2012


Vamos embora para Bogotá: usar camisinha, deixar o cabelo crescer, que o vestido leve-leve se vá, que vire comida de peixe, para que a gente deite no asfalto do estacionamento, desperdice cervejas, e o lamento das cigarras vire só música, você tire os sapatos para entrar no meu coração, e dedilhe os dedos, e pese a cabeça, dê nomes comuns pros seus filhos, e me ensine a cantar, me ensine a dançar, desloque o joelho, encha a banheira, ilumine com esses olhos, de braços dados com outra mulher, esperando a hora chegar, ilumine a rua, e de vez em quando diga pra mim que não sabe como eu consigo, que se fosse você o carro já teria capotado, e nós dois, desentendidos, chegamos na Colombia, e eu prefiro mesmo que você fume, ganhe o sustento de poesia, tenha a família mais linda do mundo, porque eu sou espectadora, tenho vocação pra estágio, pra data de validade, apegação, pra ser sua, deitar no seu colo, exagerar, e repetir, sou saudosista, ingrata, deficiente em vitamina D, não sou flor, nem tomo Sol, sou zelo, e sabe-se Deus de onde você conhece o cheiro do meu xampu, e pra quê tanta melancolia, tanta pressa, que se exploda, vou ter um ataque cardíaco, feche a porta atrás de mim, leia tudo isso de um fôlego só: é assim que eu me sinto.

É recíproco. Sempre foi recíproco. É confuso também. É silêncio, está quebrado, é monótono. Só existe quando gente combina as solidões. Eu arrasto os pneus no meio fio e já existe. Tento me explicar, acordo na sua cama, tonta, sequelada e existe. Existe quando você quer que eu vá embora. Principalmente quando eu estou sozinha, existe. Vamos acertar as contas d'uma vez, que eu não sei mais o que em você é licença poética.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Fortuito,


Palpito. Ajoelhada por cima de você, carimbada pelo corpo todo, eu palpito. Palpito deitada ao seu lado, sem calcinha, com os olhos nublados de sono, às sete da manhã. Palpito de pés descalços, te arrastando pelo corredor, bebendo água, enrolada no cobertor, escorrendo do sofá para o chão, arrancando a toalha da sua cintura, voltando pra casa com um cachecol feito de cabelos. Quando sinto o cheiro de praia que você tem atrás da orelha, me entrelaço nos seus dedos, te ouço cantar, você põe mão na minha coxa, puxa o meu cabelo, planta uma bananeira, fuma na janela, completamente perdido, seu quarto bagunçado, uma coleção de copos sujos na prateleira, te mordo mais do que beijo, sinto um sopro no peito, um receio, intuição. Sorrio em forma de desafio, protesto, para calar o medo, para calar o mundo.

domingo, 16 de setembro de 2012

Barco de papel,


Sinto um de repente.
É calmaria, mas é também afluxo, torrente.
É onda espumada, opaca, salgada, daquelas que puxam pro fundo e te dão somente o tempo necessário de subir à superfície e resgatar oxigênio para que você continue vivo. Isso porque em intervalos de cambalhotas, olhos arregalados e joelhos arranhados a vida fica em suspensão, esperando para ver se ocorre ou não. É bonança pura. Basta que você encoste os lábios em mim. A onda nasce no fundo do meu estômago, me puxa pra dentro e me afoga. Basta a mistura de suor, seus dedos abrindo caminho, nós nadando contra a corrente, a chuva de cinzas. Basta ainda que você me segure no colo, morda meu pescoço, a onda quebre contra a parede, despenquem os armários, eu caia na sua cama, o bater de talheres que entra pela janela vire calor, vire sorriso, vire grito.
Antes que eu morra afogada, antes que eu esqueça meus sapatos, antes que sua respiração asmática se acalme, antes que você ligue o ventilador, antes que habite minha mente...

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Do tanto que eu gosto de você/ Conselhos que eu bolei às cinco e quinze da manhã,


Meu pescoço continua manchado mesmo que eu esfregue pentes finos, maquiagem, água fria, água quente... Estamos um ao lado do outro, os dois salpicados de roxo. Estou pendurada em você, estou na beirada da sua cama e estou descalça. Seu gosto salgado, os lençóis encharcados, o colchão nu, as luzes acesas, meus olhos fechados, descascando seu ílio, dobrando os joelhos, respirando mecanicamente (como se faz? Inspira, expira, inspira, estoura, insânia, escape, instável, exala, inspira, expira). Encosto a cabeça na janela esperando que você esteja me olhando, porque uma das coisas que eu mais gosto no mundo é quando você olha pra mim. Vou embora esperando que você me dê um beijo a mais do beijo a mais que você me deu. Entro no elevador, coloco o cabelo por cima dos ombros, deito na minha cama, respiro, inspiro, fecho os olhos, tento me recompor, tento me proteger, tento parar de competir com você, tento ler incentivos no seu descaso. Mas você é silêncio. Eu sou também. Corra, então, salve-se! Eu não sou bom partido, não sou equilibrada, não vou te fazer feliz. Eu sou louca varrida, tinha que estar internada, tinha que estar amarrada, tinha que ser exilada. Sozinha, quando meu coração me pertence, eu sou normal, sou forte e coerente. Agora, quando você me apareceu, quando encontrou a brecha, quando me roubou... Aliás, não se chama de coração roubado o que foi entregue em uma bandeja ainda pulsando. É por isso que eu imploro: corra!

segunda-feira, 10 de setembro de 2012


Ele se parece muito comigo. No orgulho, na esquizofrenia, nos pés sujos. E aí não dá não. A gente vai acabar se matando.  

Gustavo,


Já perdi a conta de quantas vezes calhei de perder a carona propositalmente esperando que você me acompanhasse até a parada. Eu esperava ainda que talvez você me levasse em casa, deitasse ao meu lado na cama, puxasse o edredom por cima das nossas cabeças e decidisse casar comigo ali mesmo. De mãos abanando, eu acabava descendo a setecentos sozinha, ziguezagueava as casas tropeçando nas raízes e nos meus soluços. Sentava no banco do ônibus e descascava a película da janela. Nem bem eu fechava a porta de casa atrás de mim e eu já tinha te perdoado.
Eu jamais, nunca, de maneira alguma te pediria para que fosse comigo. Para mim era evidente: você tinha toda a obrigação do mundo de saber. Eu cometeria (como cometi) suicídio quantas vezes fossem necessárias para chamar a sua atenção. Eu era (como sou) vertigem de sentimentos. Você nunca vai saber (como não sabe) das minhas intenções ou do que eu exijo de você. Nem você e nem ninguém.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Every Single Night - Fiona Apple,


O cinto de segurança estala. O seu. O meu ainda me segura contra o banco. Minha perna esticada e o pé no freio, porque eu não tenho intenção alguma de me demorar. Não por cansaço, medo de sequestro, nem por querer te confundir. É a gasolina que anda cara e me dá um tropeço na respiração ter que ligar e desligar o carro toda vez. Mentira. É o seu olhar intraduzível, seu pouco caso, seus cílios imensos e esse sorriso de ai-meu-Deus. Mentira. Eu até te seguro pelo braço, rasgo sua barriga com as unhas, tranco as portas, espalho gasolina em volta do carro e acendo um fósforo, mas assim que eu abro os olhos, a porta bate. Um pouco de você permanece: cinzas no meu cabelo, gosto de fuligem e um cheiro que não me pertence nas costas da minha mão. É aqui até onde me atrevo.

terça-feira, 28 de agosto de 2012


Me parece que o coração confunde força com insensibilidade. Sentimento algum passa do átrio para o ventrículo. Se me permite, vão todos eles direto ao pulmão, derramam-se nos lençóis brancos, condensam. Sentimento condensado, para mim, é carência. Se quer saber, acho que convém franqueza: meu coração é halterofilista. Dito isso, não sou desapegada, sou distraída. Sou errante e não pretendo remediar isso. Cometo o mesmo erro constantemente com todo o receio de ser julgada. Me erro pros lados de gente que não vai viver por muito tempo, que não vê conforto em formalidades, contrato, rótulo, acordo, ciúmes, que conforme o tempo passa me quer menos enquanto eu quero mais, gente que fala pouco, pensa pouco, deixa tudo subentendido, manda minhas inseguranças às favas, porque para essas gentes, o que importa mesmo é garantir a dose diária de libélulas na boca do estômago.  

domingo, 8 de julho de 2012

Resposta:

Talvez eu não a entenda, mas da mesma forma talvez (talvez) você nunca descubra como é ler nos lábios dela um suspiro afogado. Talvez ela não evite seus olhos e é possível que tivesse parado de roer as unhas porque podia segurar a sua mão. Ela subia nos seus ombros, te buscava no trabalho, desfilava com você. O sentimento invasivo, inconveniente, inevitável, inominável... Isso você não terá. Você não fará dela silêncio, fumante passiva, amante. Porque ela era sua (e talvez ainda seja). A mim cabe ser discrição e desapego, coisa que você nunca será. Não te invejo e vise-versa, afinal de contas, entre barcos de papel e pés de feijão, cutículas ensanguentadas ou não, ela é só.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Suponha que paleontólogos encontrem minhas pegadas soterradas por quilômetros de sedimentos. Suponha ainda que encontrem rastros de todas as chaves que eu deixei cair no chão, encontrem duas ou três marcas de salto alto, determinem minha altura e meu grau de lordose. Suposto isso, eles conseguiriam me catalogar? Saberiam do tanto que meu coração foi partido, dividido, reconstituído, do tanto que ele empedrou e se liquefez? Saberiam dos celulares que eu perdi e dos lábios que mordi? E o cheiro de cigarro no meu carro*, o gás butano, o banho de espuma, as batatas fritas, o norueguês desfiando meu cobertor, os suicídios, o sexo no elevador, as mensagens de texto, minhas namoradas, meus chifres, meus joelhos ralados, a arritmia cardíaca, a conta bancária e o rancor? E os damascos, os desabafos, meus decotes, seu violão, os erros gramaticais que eu corrigi das suas cartas e depois te devolvi, as fotos três por quatro e minhas unhas roídas? Se não souberem, que fique registrado aqui o campo semântico da minha vida.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Helena,

Agora me diga quem vai saber tão bem de você. Qualquer um pode serpentear a serpentina que laça seu coração e mergulha suas angústias no suco de cajú, mas ninguém te conhece tanto quanto eu. Ninguém vai ouvir os gemidos que eu ouvi, nem comer sua comida insossa, ninguém vai adivinhar que você tem uma agonia imensa de carinho na perna, que fuma escondida e flerta com meus amigos. Ninguém nunca vai saber, como eu sei, que seu medo de avião só não é maior do que seu medo de ficar aqui pra sempre, que você passa batom quando está sozinha em casa e pensa em espanhol sem ao menos saber conjugar um verbo. Eu sei dos seus orgasmos fingidos, sei do tanto que você odeia números pares, sei dos seus caprichos, sei que você esfrega a unha nos lábios quando está tomando alguma decisão. Mantenho a conta de todos os livros que você optou por não terminar de ler porque odeia despedidas, perdas, porque tem medo de se decepcionar. Você tem um encanto que mais parece bruxaria. Você é pura sinestesia. Você é insensível. Me diga então quem vai te entender.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Uma Carta Aberta:


Quando estamos separados eu esqueço porque não podemos ficar juntos. Me dói mais que tudo te deixar infeliz. Vai contra a sua natureza, você é uma enorme lua minguante - sorrindo, deitada ao meu lado. Mas não poderia ser diferente. Eu me sinto suja, cruel, solitária. Se você ficasse bem eu ficaria também. Eu seria só saudades, só carinho, sem tristeza.
Eu quero me casar com você. Não agora, mas eu quero. Não te peço que me espere, essa esperança pairando no ar é intoxicante. Eu quero solidão. Quero me encontrar no meio de tantas Helenas que eu quero ser. Preciso de um tempo de nós. Não estávamos bem. Por mais que agora a memória remeta aos momentos maravilhosos, nós estávamos apagados. Como eu te disse: parecíamos aqueles episódios de seriados em que não há história, só recordação de temporadas anteriores. Aquilo me fazia mal e eu comecei a te afastar. O amor escapulindo por entre meus dedos. Antes que fosse tarde eu agi. Agi porque não suporto a ideia de deixar de te amar. O que eu sinto em detrimento da (nossa) felicidade. Um sacrifício pelo qual eu nos obrigo a passar porque estou fraca. Estou com a cabeça cheia de pensamentos que não são palavras, ideias, não têm forma, só são. Me desgasta tentar entendê-los, tentar lidar com eles, não fazer nada além de sentir. Eu sinto que te amo profundamente, mas não nos pertenço mais. Eu sei que você entende mas não concorda. Eu sei que você precisa de qualquer coisa que faça a dor passar e, Deus sabe, se eu pudesse arrancá-la daí e segurá-la comigo até... Até...

sábado, 9 de junho de 2012

Eu não sei mais. Pra provar isso, abro meu peito com um bisturi, aqui está, ao invés de coração, um imenso ponto de interrogação. Retirem imediatamente as expectativas sobre mim, se eu arranjar alguma forma conotativa de falar sobre a minha dor, corro o risco de entendê-la e, honestamente, talvez eu prefira não saber. Talvez eu prefira essa transa sado masoquista comigo mesma, me punir pelo que eu sinto e pelo que eu deixo de sentir. Talvez formem-se calos que engrossem minha pele e aí, talvez, eu pare de me importar. De tanto pensar e de tanto deixar de pensar, de tanto fugir e chorar e chorar e chorar, num ímpeto peguei meu livre arbítrio e joguei-o pela janela, abri o gás e tranquei a porta, dei lhe uma overdose de vitamina C. Até que eu me decida, minha respiração fica eternamente presa. Até que eu me decida, o tempo fica estático, o sangue que devia ser bombeado pelo maldito coração não flui, todas as minhas células em greve de fome, um luto precoce.

terça-feira, 6 de março de 2012

Amor,

Perdi todas as minhas metáforas. Agora sou só espera. Sou um coração pequeno, nanico, anêmico. Sou o inverso de borboletas no estômago: sou ácido clorídrico. Sou desesperança, desordem, desolação, desânimo, desoxigenação. Sou insuficiente. Sou cólica. Cólica infinita. Cólica injusta. Cólica humilhante. Sou eutanasia, ou gostaria de ser. Sou grata, no entanto.
Fui tão feliz quanto me foi possível. Nunca havia sido tanto.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

O pânico me invade, sobe à minha cabeça e infla o espaço entre meus lóbulos e o crânio. Prendo a respiração pra sempre, porque oxigenar meu cérebro seria alimentá-lo com dúvidas, fantasias, isso e aquilo. Estou condenada.