quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Do sexo,

Na verdade, da condução entre cômodos, da respiração alta, dos pés contraídos, do seu gosto de fumaça, das roupas que são carpete pro seu quarto, da pausa, do arrepio, do seu arranho que sobe pelas minhas costas, laça meu cabelo e me deita no colchão, da perduração, dos seus olhos, da minha cabeça inclinada pra trás, do encaixe, do aperto, do seu peso em cima de mim, da ritmação, da arritmia, das mordidas, do suspiro, da moléstia do calor, da sua língua que escorre em mim e do seu beijo, da sua testa franzida, dos seus dedos me perfurando, do bloco de fagulhas, dos gritos que vêm do lado de fora da janela, dos gritos que vêm do lado de dentro, do arqueamento, do sorriso que corta o silêncio, da repetidagem, das mãos entrelaçadas que se apertam e soltam e seguram e amarrotam, da cascata de cabelos, dos joelhos vermelhos, das onomatopéias, do oxigênio dividido, das testas coladas, do arroubo, do balão estourado, da maré alta, da reviragem, da avessagem, do ar frio que entra, condensa, do gemido que sai, do suor entre nossos corpos, da nossa dependuragem pela janela, dos andaimes, do seu cigarro e do seu outro cigarro, dos nossos olhos descansados um no outro, do seu beijo no meu nariz, do seu beijo na minha testa e do recomeço.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012


Me ocorreu, mas de tanto imaginar, fiquei endurecida, incapaz, vegetativa, imóvel, um poço de transpiração, o coração ricocheteando pra fora, inspirando mais ar do que precisava... Era impraticável, como seria feito? Me percorreu um alívio: era impossível, não adiava tentar. E nesse impulso da desistência, eu me fui contradição. Parei o carro e soltei o cinto. Latejei pelas artérias todas, minha boca na sua, estática, a respiração presa, o silêncio... O silêncio infinito que nós somos. Você arrancou as borboletas de mim, me despaginou toda, de dentro pra fora, de lá pra cá. Eu era um vazio, uma fome... Evitando encontrar seus olhos, seu gosto de fumo e seu coração imprevisível, mas carona após carona, sua insistência e meu querer, o álcool também, seu aperto, o colchão suado e sua cara de vilão: foi inevitável. Não sei de onde você tirou que podia me olhar daquele jeito por baixo dessas sobrancelhas, que podia me roubar, me levar contigo, passar os dedos no meu cabelo, me mastigar, ser cativo, hilário, maravilhoso, que tinha qualquer direito de me pagar um jantar, me cheirar, me fazer esperar, me dar câncer de pulmão, cirrose, pílulas do dia seguinte, e sua inconsequência, seu carinho, seu sono pesado, seu canto soprado... Eu não posso nem mesmo te odiar, porque você pisa no prego, derrapa no chão e deixa metade do pé na quina da mesa, joga álcool noventa e cinco por cima e me olha com essa bravura toda. Me desafia a não te querer bem. Oportunista. Agora toma, pega o diabo do meu coração e faça bom uso.

domingo, 14 de outubro de 2012

Da imperdoabilidade, da solidão, da insuficiência, das burocracias da felicidade, etc.

Não sei pra quê tanto azedo dentro de mim. Não sei pra quê o exagero do redemoinho de papeis no banco de trás, das lágrimas presas, do masoquismo e das músicas que entram feito punhal na minha alma. Como foi que você conseguiu me atrair pra armadilha? Encascalhada, cercada de intenções, presa e só. É essa a razão toda: eu perdi. A pior parte é que fui alertada. E pior que isso é que fui de bom grado, coração voluntário que nem estava disponível. Qualquer resistividade foi espontânea, me servia só pra atiçar sua vontade. E como se você soubesse, como se já estivesse esperando, cheio de experiência, me conduziu. Me deixou ali, em brasas, palpitante, encantada, mentirosa, dizendo que não era nada, besteira, já já passava, coisa pouca, só atração, colisão de quereres, estava tudo sob controle, era cautelosa, tateava bem, dava um passo e voltava dois, voltava quatro, voltava mil. Me pareceu mais que mergulhei de cabeça, abri o crânio no fundo e por lá fiquei. Burra, burra, burra. Louca! Fui como quem tem o coração de aço, a consciência limpa e toda vontade do mundo de descobrir como é levar uma martelada no peito. Fui e aqui estou, arrependida, amarga, morrendo de medo. Agoniada, ensurdecida pelos conselhos que eu não obedeço, completamente derretida. Mas não é nada pessoal.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Eu desci as escadas com uma urgência muito grande, pulando os degraus, laçando a chave do carro de dentro da bolsa, que no próximo passo eu estivesse deitada na minha cama, que o dia tivesse fim, virasse ilusão, raio de Sol, que a culpa morresse, para eu nunca mais ser tristeza, enfim. Lá de baixo você era um par de joelhos irreconhecível, era paisagem, que se dane. Mas assim que se pôs de pé e ergueu os olhos, a surpresa, o alívio que eu fui... A tonelada, as últimas doze horas, o embolotamento, tudo que não me dizia mais respeito. A sua precisão. Te afoguei num abraço, numa lista de adjetivos, na respiração presa na minha gratidão. Não era desmedido, excesso. Era exato. Nem tinha nome mais, era o que eu precisava: a sua precisão. Desconstruí o devaneio. Desci as escadas, parei na sua frente. Desajeitamento. Não era isso. Eu perdi o tempo do abraço. Como é que você ia saber agora? Como diabos ia saber que eu te queria ali mesmo, que você nem era mais distração, que me esfoliou a angústia? Como eu exorcizo o orgulho pra fora, te entrego as armas, as chaves de mim?

Outubro,


É o diabo do receio, de saber que cedo ou tarde, que vai ser de repente, inevitável, dos efeitos da sua librianidade (tua inconstância e tua cansadez). Os dois hemisférios me munindo de antônimos (fica, volta, desliga o carro, aparece, cuidado, dá um agrado, se apressa, um cafuné, larga dele, um samba, liga pra Fulano, morre de vergonha, fica só, tira o vestido, nem sobe, cede). Não te quero por perto pra não te querer mais perto. E nem foi por querer que eu te quis. Mas que de um levantar de sobrancelhas teu, me vem o arroubo... A taquicardia, o descompasso, a esquizofrenia. Não é caso de cardiologista ou Dona Daiane. É caso sem solução. É infalível: seus olhos caídos e o encaixe na minha nuca, meu desajeitamento e teu cuidado. É infundado: toda resistência, o desperdício, a inexperiência, a culpa. É espontâneo. Que seu pouco caso seja só charme. Que sua irresistibilidade seja só macumba. Que seu efeito aqui não seja real. Se for...  

segunda-feira, 1 de outubro de 2012


Vamos embora para Bogotá: usar camisinha, deixar o cabelo crescer, que o vestido leve-leve se vá, que vire comida de peixe, para que a gente deite no asfalto do estacionamento, desperdice cervejas, e o lamento das cigarras vire só música, você tire os sapatos para entrar no meu coração, e dedilhe os dedos, e pese a cabeça, dê nomes comuns pros seus filhos, e me ensine a cantar, me ensine a dançar, desloque o joelho, encha a banheira, ilumine com esses olhos, de braços dados com outra mulher, esperando a hora chegar, ilumine a rua, e de vez em quando diga pra mim que não sabe como eu consigo, que se fosse você o carro já teria capotado, e nós dois, desentendidos, chegamos na Colombia, e eu prefiro mesmo que você fume, ganhe o sustento de poesia, tenha a família mais linda do mundo, porque eu sou espectadora, tenho vocação pra estágio, pra data de validade, apegação, pra ser sua, deitar no seu colo, exagerar, e repetir, sou saudosista, ingrata, deficiente em vitamina D, não sou flor, nem tomo Sol, sou zelo, e sabe-se Deus de onde você conhece o cheiro do meu xampu, e pra quê tanta melancolia, tanta pressa, que se exploda, vou ter um ataque cardíaco, feche a porta atrás de mim, leia tudo isso de um fôlego só: é assim que eu me sinto.

É recíproco. Sempre foi recíproco. É confuso também. É silêncio, está quebrado, é monótono. Só existe quando gente combina as solidões. Eu arrasto os pneus no meio fio e já existe. Tento me explicar, acordo na sua cama, tonta, sequelada e existe. Existe quando você quer que eu vá embora. Principalmente quando eu estou sozinha, existe. Vamos acertar as contas d'uma vez, que eu não sei mais o que em você é licença poética.