segunda-feira, 15 de outubro de 2012


Me ocorreu, mas de tanto imaginar, fiquei endurecida, incapaz, vegetativa, imóvel, um poço de transpiração, o coração ricocheteando pra fora, inspirando mais ar do que precisava... Era impraticável, como seria feito? Me percorreu um alívio: era impossível, não adiava tentar. E nesse impulso da desistência, eu me fui contradição. Parei o carro e soltei o cinto. Latejei pelas artérias todas, minha boca na sua, estática, a respiração presa, o silêncio... O silêncio infinito que nós somos. Você arrancou as borboletas de mim, me despaginou toda, de dentro pra fora, de lá pra cá. Eu era um vazio, uma fome... Evitando encontrar seus olhos, seu gosto de fumo e seu coração imprevisível, mas carona após carona, sua insistência e meu querer, o álcool também, seu aperto, o colchão suado e sua cara de vilão: foi inevitável. Não sei de onde você tirou que podia me olhar daquele jeito por baixo dessas sobrancelhas, que podia me roubar, me levar contigo, passar os dedos no meu cabelo, me mastigar, ser cativo, hilário, maravilhoso, que tinha qualquer direito de me pagar um jantar, me cheirar, me fazer esperar, me dar câncer de pulmão, cirrose, pílulas do dia seguinte, e sua inconsequência, seu carinho, seu sono pesado, seu canto soprado... Eu não posso nem mesmo te odiar, porque você pisa no prego, derrapa no chão e deixa metade do pé na quina da mesa, joga álcool noventa e cinco por cima e me olha com essa bravura toda. Me desafia a não te querer bem. Oportunista. Agora toma, pega o diabo do meu coração e faça bom uso.

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