domingo, 29 de setembro de 2013

Você prepara a cama como se estendesse a passarela da igreja, como se levantasse um teto encima das nossas cabeças. Pousa um beijo em mim. Atira longe meus sapatos. Meus retalhos. Meus nãos. Os balões sobem pelo céu da minha boca, caem, abrem trilhas dentro de mim, a ponta dos dedos segue o caminho, pé ante pé, desbravando, plantando alface, subindo muro. Separa as minhas pernas, me enterra os dedos, os dentes e as pupilas. Eu escorrego nos seus braços, a gente se enrosca, se enrola, dá um nó, solda tudo, morre no bocejo, na fumaça, na madrugada, na TV ligada, no respingo da água na louça que molha minha barriga. Eu morro todos os dias com a orelha colada no seu coração, ressuscito de madrugada nas manchas que escorrem do suco de manga. Eu morro de amor todos os dias.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Quando ela chegou - e ele sentiu sua aproximância - a recebeu como uma velha amiga, de braços abertos, paralisados. Tinha para si que a primeira providência a ser tomada fora daquele intumescimento de corpo seria dançar. Seria amarrar os cadarços, limpar as orelhas, coçar as costas. Caprichos da vida, não faz mal. Faria o que lhe fosse permitido. Mas o faria espalhafatosamente.
A kriptonita estava instalada dentro do próprio corpo. Aprisionado. Encarcerado. ELA era camisa de força, máscara de ferro, tetraplegia. Liberdade é se descarregar do fardo cimentado que é cabeça, fígado, escroto, coração. Liberdade é quando cessa a pulsação. Pára corpo, pára luz e pára a mente. Liberdade é quando caem os cabelos, as entranhas apodrecem, fica o vazio do som da própria voz (como era sua voz?). Vira-se memórias de si mesmo. As memórias próprias e dos outros. Liberdade é tal como dormir, espairecer, como deitar no chão, olhos fechados, anestesia consentida.
Tivera o tempo infinito. O rancor infinito. As pragas ecoaram dentro de si - “por que eu?” -, agora passadas, transitórias, misteriosos e retóricos vãos. Não era nada pessoal. Antes fosse.
No meio do recheio do raciocínio, fim. Morreu. Virou pássaro. Vai em paz.