segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Breve e Inconclusiva Epifania; ou Da Ânsia, Apertura, Desconsolação, Desesperação, Do Tormento, Dos Destroços, Do Dissabor; e ainda Da Alfinetada, Da Ferroada e Fisgada

Estava eu, no terrível verão de 1993, vidrada na sombra do bambu. Estava digerindo, deglutindo, sovando e estocando. Estava noiada no transe paralelepipídico. Eu bebia e bebia da garrafa de marafo carijó, desgostosa, e o pior de tudo: vivia um um dia dobrado. Estava lá justo eu, que amava ter coisas na minha boca. Amava, estivessem elas penduradas ou encostadas, fossem garrafas, fossem talheres, cigarros (cigarretes e cânhamo também), ou enormessíssimos pedaços de queijo, beiços, linguas, coxas, lógico, orelhas, rúbricas e gomos inteiros de manga e laranja. Quando não os tinha, chupava os dedos e as unhas. Eu então, àquela hora, roia a pontita da falange, levemente deprimida, escutando só ruídos e enxergando muito pouco. Eu estava jururu, amarga, mas também, sempre fui assim. Eis o que me atormentava: éramos predestinados, porque a minha apatia combinava muito bem com teus maus modos e tua aflição. Éramos dois ingratos, sentados frente à frente, dois covardes, dois malaventurados que juntos coroavam o enrolamento mais fúnebre da estação. Éramos torniquete e estorvo. Nossa solução foi aterradora: estancaríamos a ferida com sal, com a pontinha cega da faca de manteiga. E fosse o que fosse: uma decisão indizível, apocalíptica e tirânica, era indefectível. E indefectível, eu acabara de te explicar, é aquilo que é apropriado, certeiro, constante e efetivo. Contudo - com o caleidoscópio cerebral cabalístico e assombroso do som do estalar e soluçar do cinto de segurança, da flor de pequi, da sua certidão de nascimento, do encaixe do sofá-cama, de tudo o que era lembrança, do que era projeção, do que era invenção e só masoquismo também - não me foi viável te deixar desvanecer, expirar, esfumaçar, puf, desaparecer.


(...)

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