A cigarra, albergada do lado de dentro das janelas, há algumas horas já entoava seu aboio estampido. Eu podia senti-la acoçando o cambitos das coxas na pança. Ela gemia e goelava um mantra eterno, pontual, como a bituca dum alfinete brocando o tambor dos meus tímpanos. Eu mergulhava minha cabeça pra dentro da fronha, estorvada, tropeçando num labirinto de sonecas, num qual número de devaneios por detrás dos olhos fechados, mas apertada pela gastura do arquejo, batidas as quatro horas da manhã, desembarguei na missão: devia matá-la, despedaçá-la, arrochá-la na sola do chinelo, roer-lhe as patas e rasgá-la, esbofetá-la, ulcerá-la. Debrucei-me sobre os colchões, percorri todas as pontas do quarto, de esquina a esquina, desabrolhei as portas dos armários e revistei cada bolso, cada costura de cada gola, galgando meias, jarras e urnas de perfume. Desencaixotei as gavetas dos trilhos e desparafusei a tampa da mesa. Escafedida, a cigarra zurrava. Sentei no chão em meio aos escombros, demolida e exausta. Ali, c’os olhos enterrados na palma das mãos, manifestou-se o fio da meada da epifania. O sol apontava na brecha da janela, entranhando-se pelas cortinas e já me malhava o peito do pé quando decompondo aquele alarme estrondoso, tateando-no e despiolhando-no, tomei conta. Levei o cômoro dos dedos até o coco da cachola, n’altura das têmporas, no forame do crânio. Ela pulsava. Mugia apupada no meu lóbulo temporal, descascando-se, aguda, drástica. Ela estava ali. Eu estava emparasitada.

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