sábado, 14 de maio de 2016

Capítulo 2


No primeiro momento me depilaram. Antes mesmo que eu fosse atendida pelo Doutor, dois estagiários me meteram numa banheira de cera e passaram o quarto de hora seguinte destacando todos os meus pelos. Não poderiam me matar - eu filosofava - pelos motivos de politicagem internacional, mas me arrancavam os pedaços que consideravam dispensáveis. Não era doloroso, eu pouco me importava, mas ao ver os pedaços de fita felpuda caindo ao chão, me sentia, ali sim, cada vez mais nua. No entanto compreendia. Não me aceitavam, não aceitariam os pedaços de mim.

Fui muito elogiada pelo Doutor, estava em boa forma. Elogiou a mucosa da minha vagina e o controle do meu esfíncter, ficou extremamente impressionado com o pH recolhido, enfim, eu sabia que ele colocaria um filho dentro de mim. Ele me perguntou se eu casaria nos próximos dois dias. É uma tática comum: as mulheres arranjam maridos e engravidam civilizadamente. O governo ainda não declarara guerra ao amor, aparentemente. Meu problema com essa técnica é que não havia maridos em quem pudéssemos confiar.

Deitaram-me em uma maca e eu arregacei as pernas. 
Gravidez, para mim, tem cheiro de látex. Luva de petróleo, seringa, papanicolau. Há um incômodo como que no céu da boca do útero. Cortam-me de dentro para fora, tudo minucioso, dobram o envelope da minha barriga para o lado, num pregador de roupa, introduzem-se ali dentro, instalam uma bolsinha de carga genética e me costuram de volta. Eu estava marcada e iniciada, com uma cicatriz de meia lua no baixo do ventre salpicada pelos pontos.

Saindo da consumação, passei em frente ao quartel general. Pelo som do silêncio eu sabia que era ali que eu estivera e era justamente onde Mãe estava. Era a única ocupação militar a menos de vinte minutos da casa e, por mais que estivesse vendada quando me removeram dali, a luz do sol entrava pelos poros nanométricos do pano e eu tinha a referência solar: a casa do Homem estava a vinte minutos da Mãe.

Como eu entraria ali? Eu pensava enquanto o Homem entrava no meu quarto. E mais, como sairia? Ele desabotoou as calças e as estendeu na janela. Eu poderia procurar me armar e provavelmente morrer numa missão suicida para resgatar Mãe, mas - ele malhava o pênis nas mãos para inflar o sangue - de que adiantaria a intenção? Enfiou tudo dentro da minha boca, engasguei ali por alguns minutos, pensei que poderia ir até o quartel e tentar advogar em causa dela, mas tenho certeza que isso configuraria subversão. Me disse que engolisse. Talvez não houvesse nada que eu pudesse fazer. 

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