quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Marília (2008),

Passava das cinco e eu resolvi pegar um táxi. Simples assim, um impulso fortíssimo de me entregar a qualquer tipo de aventura pseudo-urbanóide, com a esperança de, no mínimo, ter meu fígado contrabandeado (vai entender). Passava das cinco e eu estendi o braço, entrei no carro de um tal de Domingos, Celta branco-amarelado caindo aos pedaços, cheiro de carro novo. Acendi um cigarro, e, por entre dentes, menti a idade. Perguntei se tinha filhos, ele, humor ácido, disse que precisava do endereço. Pensei um pouco e disse para ele ir em frente, eu avisava quando tinha que virar. Dei uma tragada e abri um pouco a janela para deixar a fumaça sair. Os prédios lá no alto formavam uma cúpula que separava o Sol do mundo aqui em baixo. Não que eu ligasse, por que, naquele momento, eu não estava nem aí pro maldito Sol e pra seus raios ultra-violeta. "Vira ali na segunda à direita, por favor". Abri a porta e, tropeçando nas palavras, entreguei uma nota amassada ao tal de Domingos-sem-filhos. Estava fumando o filtro do cigarro e nem tinha me dado conta de que começara a chover. Fiquei parada entre um tal de "Mercado São Augusto" e a rodovia. Passava das cinco e eu apaguei o toco de cigarro com o sapato, atravessei a rua e encontrei Marília. Eu não conhecia Marília e Marília não me conhecia, nem ao menos sei seu real nome. "Perdida também?". Ela olhou pra mim e colocou uma mecha dos cabelos ruivos atrás da orelha "acabei de me encontrar". O que aconteceu em seguida não sei explicar, mas passava das cinco e eu estava "pagando um drinque" para Marília. Sentamos na rodovia, dividimos uma garrafa de cerveja e, enquanto o sabor amargo envolvia minha garganta, ela me contou como tinha chegado ali. Eu não me lembro de uma palavra sequer. Marília era linda, tinha cabelos curtíssimos, olhos negros e uma falha nos dentes. Naquela noite eu dormi com ela. Não lado a lado, mas corpo a corpo, o meu no dela. Acordei tonta, passava das cinco e Marília estava sentada na beirada da cama, seios nus, cobertos pela colcha barata de hotel e um baseado apoiado entre os dedos e a cabeceira da cama. Aquela foi a última vez em que vi Marília em toda a minha vida. Voltei andando pela rodovia, passava das cinco e eu não tinha nenhum cigarro para me desenfezar, em forma gasosa, de minhas angústias. Marília tinha levado todos junto com meu dinheiro, minhas chaves e meu coração. Sentei na soleira da porta de casa e esperei minha mãe chegar do trabalho. Passava das cinco, ela ia demorar só mais um pouco agora.

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