quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Alessandro Uccello,

Enfim, entrei. Prendi a respiração e andei até ele, os olhos mareados, uma falta de alguém que nunca conheci. Esparramado na poltrona, imóvel, os cabelos brancos, as mãos rígidas, firmes, o pensamento em... Em qualquer outro lugar. Se pudesse, levantaria a cabeça para me olhar, mas como não podia, abaixei-me.
- É uma honra te conhecer.
Se pudesse, ele sorriria.
Procurei na bolsa - as mãos tremendo - o papel.
- Este é o único poema de que gosto.
Poema é feio. Não tem forma, ocupa espaço demais, transmite mensagem de menos, é conotativo demais, deprimente demais, impessoal demais. Minha mãe estava grávida quando recebeu um. Poema que não era para ela - era para mim. Poema que me deu um nome, me deu uma forma, me deu um espaço, uma mensagem, uma denotação, um coração, uma intensidade, uma sina, um segundo pai.
Ele pegou o papel, com toda a dificuldade do mundo, sorriu com os olhos e apontou para o próprio peito, como quem diz "eu que fiz isso".
"Nana, nenê Nina, nana/ desfruta cada segundo desse teu ventre de Tróia/ bóia em sono profundo, pequenina jóia, nana./ Nasce pequenina, berra/ que o mundo aqui fora é sacana/ filha de mãe espartana, tua sina é ser Helena/ é ser a mais bela e provocar a guerra/ chora, pequenina, berra./ Mama miudinha, mama/ suga essa mãe que te ama/ sente essa mão que te nina/ sonha que és filha de deuses e às vezes minha/ acalenta os sonhos, afasta os demônios, mama. - primeiro de junho de 1993, Alessandro Uccello."
Ao autor, narrador e inventor da minha vida e da minha personagem, um muito obrigada de alguém que gostaria de ter estado por perto antes, com mais tempo, com algo a ouvir e a dizer. Seus poemas me leram por inteira. Isso voltará três vezes mais forte pra você...

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