quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Ruivo do ônibus (2009),

Eu só queria contar ao mundo que tomei uma atitude impulsiva e inusitada. Eu, sim senhor.
Oh meu Deus! não sei nem o que pensar.
Definitivamente uma daquelas histórias que no futuro não saberei distinguir se ocorreu ou não.
Ventava tanto, tanto... E talvez seja por isso.
Ou talvez não.
Talvez a necessidadezinha de sentir qualquer coisa me impulsionou. Era a quarta, quinta, vigésima vez que eu entrava no mesmo ônibus que ele. Agarrei um papel e o entreguei com meu telefone. As primeiras palavras que trocamos foram "alô" e "alô". Uns "alôs" bem xoxos de quem não sabia o que pensar ou fazer. E agora eu não sei se sinto frio ou borboletas. Não sei que casaco ponho, não sei que livro levo, não sei se ando de um lado pro outro a beber água ou se me alongo.
Óntem a casa parecia tão tão vazia e hoje sinto claustrofobia.
E o que é que eu faço com o meu cabelo?
E essas unhas? Depilo as pernas? Vou de calça?
Meus dedos não param quietos, enquanto eu não estiver escrevendo vou estar... Vou estar... Vou estar... Eu sei lá.
Ônibus laranja, disso eu lembro. Meu coração batia tão forte, tão forte, tão forte. Não por ele, claro que não. Era mais por mim.
Ora, ora, tímida, introspectiva, cagona Helena. Me surpreendi a mim mesma. É isso aí. Muito prazer, eu sou você amanhã.
Sei lá, é como se as palavras parassem de fazer sentido.
E pra onde nós vamos?
E eu vou matar minha aula? Ah, vou, vou mesmo mesmo mesmo!
Estou tão nervosa que meu tique nervoso parou. Digo, voltou. Ou parou. Enfim, ora para ora volta. "Hora"? Vai saber.
Descruzo e cruzo as pernas quantas vezes suporto. Quantos minutos passaram? Quase quarenta.
Gastrite.
Meus neurônios estão dançando um tango argentino totalmente descompassado. Mãos geladas, rosto quente. É, o rosto quente.
Meu Deus, quando atendi o telefone (rapidamentíssimamente para não ter tempo algum de pensar ou surtar ou desafinar) meu rosto estava quente, quente, quente. Não havia saliva, o sangue todinho indo pro rosto, um formigamento no pé em vias de necrosar, uma voz que não era minha, as pupilas do tamanho de um tamarindo. Quarenta e nove segundos. Pareceu-me bem menos.
Alôalôquemé?HelenaAquiéoDiogodoônibusvaifazeroquehoje?Hm.Achoquenada.Quersair?Arãm.Praondevocêquerir?Nãosei,praondevocêquerir?Seilá...Eupossopassaraí,tambémmoronaAsaNorte,aondevocêmora?Centoeseis.Voupassaraíentão,tá?Tábom.Euteligoquandochegar.Beijo.
É. Foi bem menos. Foram uns três segundos, no máximo... E lá se vão minhas unhas. Fico aborrecida, estava n'um ótimo progresso em meu projeto de parar de roer unhas. Paro nada, cada vez que a vida intensifica a situação piora. Vou acabar chegando no meu esôfago assim, sei lá.
E sobre o que nós vamos conversar? Ah, será que eu devia ensaiar?
Parar na frente do espelho, jogar o cabelo pro lado e... Não é como se eu tivesse assunto algum. Acho que ele vai querer saber o motivo por eu ter colado um post-it com o número do meu celular na mochila dele. E qualé o motivo? Não tem motivo. Não há motivo nenhum, veja só. Na hora foi o que eu quis fazer. Na hora... Na hora ele era o rapaz mais bonito da cidade. Na hora eu só queria saber como era a voz dele e queria que ele me contasse algum causo. Na hora queria ver se os cachos ruivos dele eram tão ruivos e tão cachos de mais perto. Na hora eu só queria ver como era o sorriso dele e queria que ele tivesse uma história para contar, queria que ele nunca se esquecesse de mim, queria inspirar alguém, queria sentir meu coração na traquéia até chegar em casa, queria... Queria ter certeza de que eu era capaz, queria tanto, tanto, tanto, que me fez viva. E agora eu estou bem e estou feliz, estou contente, estou intensa... Deu certinho, certinho. Eu fiz para me sentir assim como estou e não para enfiar a lingua dentro da boca de ninguém, nananinanão. Principalmente porque eu não tinha ideia de que ele ligaria de fato. Estava esperando ficar decepcionada e me sentir um lixo, mas não senhor, não, não, ele me ligou! Me ligou e me chamou pra sair! E eu, intensa como estou, vou matar aula por ele. Tá bem, admito, se fosse Sexta, o caso, não abriria mão de forma alguma.
O que me apavora agora é poder encontrá-lo novamente em um ônibus-dois-reais qualquer. Como a gente se trata agora? Bem, em verdade, isso vai depender totalmente de o que ocorre a seguir. Não quero enlace de almas, só quero ver se aquele batuque todo dentro de mim valeu à pena. Uma pena horrível, sabe como é, um sorriso que abraçava a Terra, sei lá. Acho que vou descer pra levar um vento na cara.
E pensar que o movimento dos meus músculos braçais mudou completamente o meu dia. Isso acontece toda a hora, mas só percebi quando ele me ligou. Se eu não tivesse depositado aquele post-it na mochila dele... Aí eu não sei. Aí eu estaria indo para o cursinho. Aí eu teria aula de Biologia. Aí eu compraria dez gomas de mascar e estaria desanimada, desanimada.
E agora cá estou, escrevendo freneticamente períodos sem coorelação semântica, ou sei lá o que. Estou só escrevendo o que vem primeiro ao coração (antes de passar pela cabeça). Estou despreocupada em filtrar qualquer coisinha que venha, estou só escrevendo mesmo pra depois, à noite, voltar e ler. Ler e ler e ler. Por isso tenho que escrever quatrocentas páginas de delírios. Ou devaneios. Ou sei lá o que. Não me sinto preocupada ou abandonada ou rejeitada ou qualquer coisa que seja. Sinto sede, sede, sede, sede. E é assim que eu gosto de mim.
Andarolando e bebendo água.
Ah, é tão bom estar de volta.
Se bem que essa foi a frase perfeita para terminar o texto.
Não tem importância, eu a reescrevo novamente.
Espero ele ligar pra descer? Pra onde vamos? Ah, Helena Impulsiva, me ajude aí, dê uma ideia, uma sugestão... Uma luz!
Está com fome? Mas você sempre está com fome!
Melhor beber água.
Melhor andar de um lado para o outro.
Alimenta a alma.
Não sinto borboletas. Sinto uns gafanhotos com asas de mel. Gafanhoto tem asa? Espero que sim. Dãr, claro que tem. Não consigo pensar direito agora e não vou me desculpar, gafanhoto tem asa sim!
Será que fiz certo?
Minha mãe me mata se descobre!
Mata nada, ela faria muito mais intenso.
Eu sou fracote, sou um zero a esquerda.
Passo a tarde inteira lendo aquela frase que diz que não me arrependerei por nada do que fiz, mas sim pelo que deixei de fazer.
Nunca consigo aplicar, nunca, nunca.
Tenho tantas ideias mirabolantes fermentando na minha cabecinha durante um dia.
Sou consequente (o contrário de inconsequente) demais.
Ah, como eu sinto falta da trema.
Acho que "conseqüente" expressa bem melhor o que eu queria dizer.
Então fica assim, "conseqüente" e pronto.
Ah, como ele demora. Mora aonde? No Riacho Fundo.
Talvez ele também esteja sentindo borboletas.
Ou talvez eu tenha mudado algo pra ele hoje.
Talvez ele esteja hesitante.
Acho bom, acho bonito. Acho intenso, é isso aí, vamos ser intensos e realizar a reforma agrária.
Eu não sei, não sei, estou criando calos de tanto escrever.
As borboletas nem param em mim direito, vêm direto pro teclado. "Vêm" de "vir", eu sei lá se foi certo, não tenho tempo de checar no Google, posso acabar implodindo ou soltando um grito histérico que não me pertence.
Que coisa louca que eu fiz, eim?
Que coisa louca!
Gostaria de voltar um pouco no tempo e contar pra mim mesma a novidade.
Eu ficaria chocada, certamente.
Ficaria chocada e maravilhada.
É o tipo de história que minha avó conta e nós ficamos achando que é prosa de velho.
Sei lá, minha avó tem cada história boa que ninguém presta atenção. Nem eu, sou rabugenta pra caramba. Racional às vezes.
Mas agora quero saber de tudo. Quero saber do Che Guevara e do Papa e do Nicolau II.
Nossa, estou ficando com febre de tanta... Eu sei lá, nem quero acordar agora. Estou desenvolvendo labirintite.
As coisas perdem a profundidade que tinham antes (dimensionalmente falando).
Eu nem olho pro teclado, só escrevo, escrevo e escrevo.
E isso me parece mais que o suficiente.
E ele não chega, já estava até esquecendo, mas que diacho!
Será que ligo pra ele e pergunto se acabou parando em Pedregal?
Pobrezinho, não deve ser bom se perder em Pedregal.
Talvez esse tenha sido um comentário preconceituoso, mas, como disse, não há tempo para pensar, só escrever e escrever e escrever até que novas palavras surjam.
Dei uma pausa de alguns segundos agora.
E está chovendo.
Ah, como ele demora.
Ligo, não ligo? Vou mandar uma mensagem!
E se...
Ah, céus, e se tiver tudo sido um sonho esquisito.
Não, não foi, está aqui nas Minhas Chamadas Recebidas.
Então não foi.
E as borboletas voltam com força total.
E o que eu faço?
Se levantar daqui, vou acabar bebendo mais água e indo até o banheiro e arrumando meu cabelo de novo.
Com mil demônios, isso é muito demais pro meu coraçãozinho.
É nada, Helena, você merece muito mais intenso.
Mereço, mas aguento?
Aguenta sim.
Devo parar de travar diálogos comigo mesma.
Ao invés de me ajudar com a organização do raciocínio, só complica as coisas.
E eu começo a pensar em coisas paralelas que me tiram de onde eu queria estar.
Será que vale mais a pena pegar um ônibus na L2 mesmo ou eu devia pegar no eixo e depois descer? Porque o ônubus da L2 vai pela Esplanada e demora horas e dias e décadas.
Foco, Helena, volte ao ponto.
Morte celular. De celulas, eu digo.
Vou de chinelo mesmo? Choveu tanto, deve ter lama até meu cotovelo lá em baixo.
Bom, eu saberia disso se já tivesse descido.
Ei, será que ele está me dando um bolo?
Será que está zoando com a minha cara e...
Não, gente ruiva não faz isso.
Esse foi um comentário preconceituoso?
Porque, de forma alguma, eu quis dizer que gente ruiva não peida... Gente ruiva faz maldade também, mas eu acho que faz menos.
Ou pode não ter nada a ver.
Nossa... Passou mais de uma hora.
Acho que um astrlopitekus levou ele pra São Sebastião visitar a Lola.
Será que ele gosta de gatos?
Não que isso tenha nada a ver com nada, porque eu não pretendo que ele adote a Lola comigo.
Essa frase não ficou muito bem estruturada, mas dá-se pra entender o que eu quis dizer.
Já chega, vou desenvolver LER.
Vou é descer e pisar na grama.
Isso sim me ajuda a organizar os pensamentos.
Diabo...
Como é bom ser eu mesma (sorriso).

2 comentários:

  1. E a surpresa quando ela divulga outro blog, e só há um texto, dos postados nele, que você ainda não leu?
    Um beijo, Helena. Bom reler algo seu.

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  2. Agonia humana em cada palavra. Adorei :)

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